segunda-feira, 29 de outubro de 2012

LIVRO: Moonwalk - Capítulo 02




Anos depois, após sairmos de Gary, nos apresentamos no “The Ed Sullivan Show”, o programa ao vivo das noites de domingo aonde os EUA viram pela primeira vez os Beatles, Elvis, Sly e Family Stone. Depois do show, o Sr. Sullivan nos cumprimentou e agradeceu a cada um de nós; mas eu estava pensando no que ele havia me dito antes do show. Lá estava eu caminhando nos bastidores, como a criancinha do comercial da Pepsi, quando corri até o Sr. Sullivan. Ele apareceu feliz em me ver e me deu a mão, mas antes de ele soltá-la ele tinha uma mensagem pra mim. Era 1970, um ano no qual as maiores estrelas do rock estavam perdendo suas vidas pro álcool e drogas. Aquela  geração já mais sábia e mais velha estava despreparada para perder os seus mais jovens. Algumas pessoas diziam que eu parecia com o Frankie Lymon, um ótimo e jovem cantor dos anos 50 que perdeu sua vida da mesma maneira. O Sr. Sullivan deve ter pensado em tudo isso ao me dizer “Nunca se esqueça de onde o seu talento veio, que o seu talento é um presente de Deus.”

Fiquei grato pela sua gentileza, mas eu deveria ter-lhe dito que minha mãe jamais me deixaria esquecer disso. Eu nunca tive paralisia infantil, o que é algo assustador para um dançarino pensar, mas sabia que Deus já tinha me testado e a meus irmãos e irmãs por outras maneiras – nossa enorme família, nossa minúscula casa, o pequeno tanto de dinheiro que tínhamos que ganhar, até mesmo as crianças invejosas que jogavam pedras na nossa janela enquanto ensaiávamos, gritando que nunca conseguiríamos que vão além de dinheiro, fanatismo do público e premiações.

Minha mãe sempre nos fornecia as coisas. Se ela descobrisse que um de nós tinha interesse por algo ela nos encorajaria se houvesse uma maneira. Sé eu desenvolvesse um interesse por estrelas de cinema, por exemplo, ela aparecia com o braço cheio de livros sobre famosos. Mesmo com nove filhos, ela tratava cada um de nós como se fossemos filhos únicos. Nenhum de nós jamais esquecemos o quanto ela deu duro e nos forneceu tanta coisa. É uma historia antiga. Todo filho acha que sua mãe é a melhor mãe do mundo, mas nós Jacksons nunca abandonamos esse sentimento. Por causa do carinho, gentileza e atenção de Katherine, eu não consigo imaginar como deve ser crescer sem o amor de uma mãe.

Uma coisa que eu sei sobre crianças é que, se eles não recebem o amor que precisam dos pais, eles vão receber de outra pessoa e se apegarem a ela, um avô, qualquer pessoa. Nós nunca tivemos que procurar por outra pessoa com a minha mãe por perto. As lições que aprendemos com ela são inestimáveis. Bondade, amor e consideração para o próximo vieram da lista dela. Não machuque as pessoas. Nunca peça. Nunca viva à custa dos outros. Isso tudo era pecado em nossa casa. Ela sempre quis que déssemos, mas nunca que pedíssemos ou implorássemos. É assim que ela é.

Eu me lembro de uma boa história sobre minha mãe que exemplifica sua natureza. Teve um dia, lá em Gary, quando eu era bem pequeno, um homem bateu na porta de todo mundo bem cedo naquela manhã. Ele sangrava tanto que dava pra ver os seus rastros pela vizinhaça. Ninguém o deixava entrar. Finalmente ele chegou até a nossa porta e bateu. Mamãe deixou ele entrar logo de cara. Agora, a maioria das pessoas teria medo de fazer isso, mas é a minha mãe. Eu me lembro de acordar e ver o sangue na chão. Gostaria que todos nós fôssemos mais parecidos com a mamãe.

As memórias que tenho de meu pai é dele chegando em casa da fábrica de aço com uma grande sacola cheio de donuts pra nós. Meus irmãos e eu ainda podíamos comer naquela época e aquela sacola sumiria em um estalo de dedos. Ele costumava levar a gente até o carrossel do parque, mas eu era muito novo, não me lembro direito.

Meu pai sempre foi como um mistério pra mim e ele sabe disso. Uma das coisas que eu mais me arrependo é nunca ter tido uma certa proximidade com ele. Ele construiu uma concha em volta dele durante os anos e, quando ele parou de falar sobre negócios da família, viu que era difícil se relacionar com nós. Nós todos estávamos juntos e ele ia embora da sala. Até hoje é difícil pra ele tocar no assunto de pai e filho porque  ele fica muito envergonhado. Ao perceber isso, eu também fico.


Meu pai sempre nos protegeu e isso já é um grande feito. Ele sempre tentou se assegurar de que ninguém nos passasse a perna. Cuidava dos nossos interesses da melhor forma possível. Pode até ter cometido alguns erros no meio do caminho, mas ele sempre achou que estava fazendo o melhor pra família. E, é claro, vendo as coisas que meu pai nos ajudou a atingir e realizar, foi tudo único e maravilhoso, principalmente considerando as nossas relações com companhias e pessoas do ramo. Eu diria que nós estávamos entre poucos artistas sortudos que saíram da infância e entraram no ramo com algo substancial – dinheiro, bens imobiliários e outros investimentos. Meu pai foi quem arranjou tudo isso pra nós. Ele avaliava os interesses dele e os nossos. Sou muito grato que ele não tenha tentado pegar todo o dinheiro pra ele, do jeito que muitos pais de crianças-astros fazem. Imagina, roubar dos próprios filhos. Meu pai jamais faria algo desta espécie. Mas eu ainda não o conheço, e isso é triste para um filho que anseia entender o próprio pai. Ele ainda é um homem misterioso pra mim e talvez sempre seja.

O que puxei de meu pai não é necessariamente uma dádiva de Deus, apesar de que a Bíblia diz que você colhe o que planta. Quando estávamos em meio a nossa jornada, papai disse isso de uma maneira diferente, mas a mensagem foi tão clara quanto: Você pode ter todo talento do mundo, mas se você não se preparar e planejar, você não vai chegar a lugar nenhum.

Joe Jackson sempre amou música e cantar o mesmo tanto que minha mãe gosta, mas ele também sabia que tinha um mundo além da Jackson Street. Eu não era crescido o bastante pra me lembrar de sua banda, The Falcons, mas eles vinham até em casa pra ensaiar nos fins de semana. A música os tirou do emprego na fábrica, aonde o papai dirigia um guindaste. The Falcons tocavam pela cidade toda, em colégios e clubes próximos ao norte de Indiana e Chicargo. Nos ensaios na nossa casa, papai tirava sua guitarra do armário e ligava no amplificador que ficava no porão. Ele sempre amou rhythm e blues e aquela guitarra era seu orgulho e alegria. O armário no qual a guitarra ficava quardada era quase como um lugar sagrado. Nem precisa dizer que estava fora do limite para nós, crianças. Papai não ia para o Hall do Reino com a gente, mas ele e a mamãe sabiam que a música era uma maneira de manter a família unida em uma vizinhança aonde gangues recrutavam crianças de idade dos meus irmãos. Os três garotos mais velhos sempre teriam uma desculpa para ficar por lá quando The Falcons vinham. Papai fazia de um jeito que eles achavam que eram tratados especialmente só por pode ouvi-los tocar, mas na verdade ele ficava empolgado de tê-los assistindo.

Tito observava tudo o que acontecia com o máximo de interesse. Ele aprendia saxofone na escola, mas ele dizia que suas mãos eram grandes o bastante pra vibrar as cordas e tocar os refrões que meu pai tocava. Até fez sentido quando ele pegou o jeito, porque Tito parecia muito com o meu pai, e todos esperávamos que ele adquirisse seus talentos. O tamanho da semelhança tornou-se assustadora quando ele ficou mais velho. Talvez meu pás tenha até percebido o cuidado de Tito porque ele estipulou regras para todos meus irmãos: Não é pra ninguém tocar na guitarra se ele não estivesse em casa. Ponto final.

Porém, Jackie, Tito e Jermaine eram cuidadosos ao ver se a mamãe estava na cozinha para pegarem a guitarra “emprestado”. E também tomavam cuidado para não fazer barulho enquanto pegavam. Ai então eles voltavam pro nosso quarto, ligava o rádio ou o pequeno gravador portátil para poderem tocar junto. Tito colocava a guitarra sobre a barriga quando sentava na cama e apoiava. Ele variava as vezes com Jackie e Jermaine e tentavam  tocar as escalas que aprendiam na escola e tentavam também tocar a parte de “Green Onions” que eles ouviam no rádio.

Eu já era crescido o bastante para entrar  observar, se prometesse não contar. Um dia, a mamãe finalmente os pegou e todos nós nos preocupamos. Ela deu uma bronca nos meninos, mas disse que não ia contar pro pai se tomássemos cuidado. Ela sabia que a guitarra fazia com que eles não saíssem com más companhias, podendo até arranjar briga por ai, por isso ela não quis tirar deles algo que os mantém por perto.

Mas é claro, mais cedo ou mais tarde algo iria acontecer, e um dia uma corda quebrou. Meus irmãos entraram em pânico. Não dava tempo de consertar antes que meu pai voltasse e, além do mais, nenhum de nós sabíamos consertar. Meus irmãos nunca resolveriam a situação no momento, então eles guardaram a guitarra de volta no armário e torceram desesperadamente para que meu pai achasse que a corda tinha quebrado sozinha. Claro que o papai não caiu nessa e ficou furioso. Minhas irmãs me avisaram pra eu ficar de fora e na minha. Eu ouvi o Tito chorar depois que o pai descobriu e é claro que eu fui investigar. Tito estava na cama chorando quando meu pai fez sinal pra ele se levantar. Ele olhou para o Tito com um olhar forte e penetrante e disse “Vamos ver do que é capaz.”

Meu irmão se acalmou e começou a tocar umas sequencias que ele tinha aprendido sozinho. Quando meu pai viu que Tito tocava bem, percebeu de cara que ele esteve ensaiando. Tito e todos Noé não tratávamos a guitarra dele como um brinquedo. Ficou claro pra ele que o que havia acontecido era só um acidente. Nesse momento, minha mãe entrou no quarto já mostrando seu entusiasmo pela nossa habilidade musical. Ela disse pra ele que nós, os garotos, tinham talento e que ele devia ouvir a gente. Ela insistiu bastante e teve um dia que ele nos ouviu e gostou. Tito, Jackie e Jermaine começaram a ensaiar juntos seriamente. Uns anos depois, quando eu tinha cerca de cinco anos, minha mãe falou pro meu pai que eu era um bom cantor e poderia tocar os bongôs. Me tornei um membro do grupo.

A partir daí meu pai decidiu que o que estava acontecendo coma família era bem sério. Aos poucos ele foi passando menos tempo com o The Falcons e mais tempo com a gente. Nós ensaiávamos juntos, ele nos dava dicas e ensinava umas técnicas da guitarra. Marlon e eu não éramos crescidos o bastante pra tocar, mas a gente assistia o meu pai ensaiando com os meninos mais velhos e aprendíamos assistindo. A proibição de tocar na guitarra do meu pai quando ele não estava em casa continuou, mas meu irmãos adoravam usar quando podiam. A casa da Jackson Street estava repleta de música. O papai e a mamãe pagaram aulas de música para Reebie e Jackie quando eles eram pequenos, por isso eles deram um bom background. O resto de nós tivemos aula de música nas escolas de Gary, mas nem  todas horas de ensaio eram o bastante pra gasta toda aquela energia.

The Falcons ainda ganhavam dinheiro, apesar de serem raros seus shows, e aquele dinheirinho extra era importante pra nós. Era o necessário pra manter comida na mesa para uma família em crescimento mas não era o bastante para nos dar coisas que eram supérfluas. A mãe trabalhava mei-periodo a Sears, o pai ainda trabalhava na fábrica, e ninguém passava fome, mas agora eu acho, olhando o passado, que as coisas devem ter parecido com um grande beco sem saída.

Um dia, o pai demorou pra voltar pra casa e a mãe ficou preocupada. Quando ele chegou, lá estava ela, pronta para mostrar seu alivio a ele, algo que nós não nos importávamos de espiar de vem em quando só pra ver se ele encarava com uma bronca, mas, assim que ele botou a cabeça pra dentro da porta, ele tinha um olhar misterioso no rosto e escondia algo atrás das costas. Tomamos um susto quando ele mostrou uma brilhante guitarra vermelha, levemente menor que a outra do armário. Ficamos todos esperançosos que isso significasse que a velha ficasse pra gente. Mas o pai disse que a guitarra nova era do Tito. Todo mundo se amontoou pra admirá-la, enquanto o pai falava pro Tito que ele devia emprestar pra quem quer que fosse que ele ensaiasse junto. Não era pra gente levar pra escola pra ficar mostrando. Aquele era um presente sério e aquele dia foi uma grande ocasião para a família Jackson.

A mamãe ficou feliz por nós, mas ela conhecia seu marido. Ela sabia mais do que nós sobre os planos e as grandes ambições que ele reservava pra nós. Ele começou a conversar com ela de noite depois que os filhos dormiam. Ele tinha sonhos e eram sonhos que não paravam com a guitarra. Muito em breve, já estávamos com sérios equipamentos, não mais presentes. Jermaine conseguiu um baixo e um amplificador. Tinham chocalhos pro Jackie. Nosso quarto e a sala de estar parecia mais com uma loja de música. Às vezes, eu ouvia a mãe e o pai brigarem quando o assunto do dinheiro era mencionado, porque todos aqueles instrumentos e acessórios custavam um pouco do que precisávamos a cada semana. Mas o papai era persuasivo e não perdia nada.

Tínhamos até microfones em casa. Eles eram mesmo um luxo, principalmente pra mulher que tentou nos vender uma bugiganga qualquer, mas agora eu percebo que ter aqueles microfones em casa não era só uma tentativa de manter-se no nível dos The Joneses ou outros adversários nas competições amadoras da noite. Eles eram pra nos preparar melhor. Eu já vi pessoas nos shows de talentos, que provavelmente eram ótimas em casa, gaguejarem e perderem a fala na hora de encarar o microfone. Eles não tinham a vantagem que tínhamos – uma vantagem que só experiência pode lhe dar. Eu Cho que isso deve ter deixado algumas pessoas com inveja porque eles achavam que nossa prática com o microfone influenciava na competição. Mas se isso for verdade, nós passamos por tantos sacrifícios – no nosso tempo livre, com lição de casa e amigos – que ninguém tinha direito de ter inveja.

FONTE: Todos os direitos da tradução reservados a DANIEL JACKSON e o FORUM NEVERLAND.


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