Eu estava dirigindo pelas
ruas de pedras escuras de Castelbuono, na Itália,
quando liguei o celular. Na mesma hora os torpedos começaram a
chegar, um atrás do outro, tão depressa
que nem dava tempo de ler
tudo. Frases como “É verdade?” e “Você está bem?” apinhavam a tela,
numa enxurrada de perguntas e preocupação. Eu não fazia idéia do que
se tratava, mas sabia que a notícia não podia ser boa.
Na comuna de Castelbuono, terra natal
de minha família, muitas pessoas têm duas casas: uma na cidade, onde
trabalham, e outra nas montanhas, onde passam o verão plantando suas
hortas e cuidando de suas figueiras. Eu passara a noite na casa de veraneio
do homem que me alugara uma casa na cidade. Havia sido chamado por
ele para um jantar com outras
seis ou sete pessoas, sendo que eu era
o convidado de honra, pois, em Castelbuono, chegar de avião vindo de
Nova York já é motivo para ser recebido de braços abertos.
Era 25 de junho de 2009. Não havia
tanta gente à mesa, mas, como em todo bom jantar italiano, tinha
comida, vinho e grapa de sobra. Durante a refeição, desliguei o celular.
Depois de anos vivendo preso a esse aparelho, passei a adorar os momentos em que as
boas maneiras me obrigam a desligá-lo. Os outros convidados e eu
estendemos aquela noite agradável antes de finalmente nos despedirmos de
nosso anfitrião. Por volta da meia-
-noite, parti com alguns amigos para a
casa que havia alugado, seguindo o carro do meu primo Dario pelas estradas de terra até a
cidade.
Então, enquanto os torpedos entupiam
meu telefone, o carro do meu primo Dario deu uma guinada em direção ao
acostamento e parou de repente. Assim que o vi encostar, tive certeza de que
aquilo que eu começava a decifrar das mensagens de texto só podia ser verdade.
Estacionei atrás de Dario. Ele se aproximou correndo do meu carro, exclamando: “O
Michael morreu! O Michael morreu!”
Eu saí de trás do volante e comecei a
andar pela estrada, sem rumo. Estava entorpecido. Chocado.
Não sei quanto tempo se passou até que
finalmente telefonei para uma das funcionárias mais leais de Michael, uma
mulher que chamarei de Karen Smith. Seria aquilo um truque de Michael? Uma
pegadinha para a imprensa? Ou uma tentativa insana de escapar de algum show?
Para minha tristeza, Karen confirmou a notícia. Choramos juntos ao telefone.
Não falamos muito, apenas choramos.
Depois que desliguei o celular,
simplesmente continuei andando. Meus amigos esperavam no carro. Meu primo,
que estava me seguindo, dizia:
– Frank, entre no carro. Vamos, Frank.
Mas eu não queria ninguém por perto.
– Nos vemos em casa – falei enquanto
me afastava dele. – Só quero que
me deixem em paz.
Então fiquei sozinho. Caminhei pelas
ruas de pedras, sob a luz dos postes, até bem tarde naquela noite de verão.
Michael, que eu considerava um pai, um mentor, um irmão, um amigo.
Michael, que por tanto tempo fora para mim o centro do mundo. Michael
Jackson estava morto.
Eu tinha 4 anos quando o conheci e não
demorou muito para ele se tornar um amigo íntimo da família,
visitando nossa casa em Nova Jersey e passando Natais conosco. Quando
criança, passei muitas férias em Neverland, tanto com a família quanto
sozinho. Na adolescência, meu
irmão Eddie e eu acompanhamos Michael
na turnê Dangerous. Depois que completei 18 anos, tendo crescido
com Michael como meu mentor e amigo, fui trabalhar para ele,
primeiro como seu assistente pessoal e, em seguida, como uma espécie de
empresário pessoal. Para ser sincero, meu cargo nunca teve um nome
específico, mas era sempre “pessoal”. Eu concebi a ideia de um especial de tevê
em homenagem aos seus 30 anos de carreira e estava ao seu lado
quando ele produziu o álbum Invincible. Quando Michael foi falsamente acusado
de abuso sexual de menores pela segunda vez, fui citado como cúmplice,
embora não tenha sido indiciado. A pressão desse julgamento foi maior
do que qualquer amizade deveria ter que suportar. Durante quase toda a
minha vida, até a morte de Michael
– ao longo de cerca de 25 anos –,
estive ao lado dele de uma forma ou de outra, nos altos e baixos, nas lutas e
comemorações, sempre como amigo e confidente.
Conhecer Michael era uma experiência
ao mesmo tempo comum e extraordinária. Desde o começo (ou
quase – afinal, eu tinha apenas 4 anos), eu soube que ele era especial,
diferente, um visionário. Quando chegava a um lugar, Michael cativava
todos os presentes. Existem muitas pessoas especiais no mundo, mas ele
tinha algo de mágico, como se fosse escolhido, tocado por Deus. A toda
parte que ia, ele criava experiências inesquecíveis: em seus shows, em seu
rancho Neverland, em suas aventuras noturnas em cidades remotas. Ele
entretinha estádios inteiros e me fascinava.
Ao mesmo tempo, Michael era uma
presença constante, habitual em minha vida. Sempre valorizei os
momentos que passávamos juntos, mas nunca o vi como um superastro. Ele era
meu amigo, minha família. Eu sabia que não estava levando uma vida
tradicional, não em comparação com meus outros amigos. Sabia que
aquilo não era o normal. Mas era o meu normal.
Não foi por acaso que, assim que
recebi a notícia da sua morte, me afastei dos meus amigos e familiares.
Desde o início, eu era reservado quanto à minha relação com Michael;
sua fama exigia que seus amigos fossem discretos. Quando eu era mais
novo, era fácil separar as coisas. Eu tinha uma vida em casa, em Nova
Jersey – em que ia à escola, jogava futebol e às vezes limpava as mesas e
cozinhava nos restaurantes da minha família –, e outra com Michael,
embarcando em aventuras e me divertindo. As duas nunca se misturavam. E eu me
esforcei ao máximo para que assim.
Quando comecei a trabalhar para ele,
passei a viver num mundo totalmente confidencial, enquanto o resto da
minha vida ficava em segundo plano. Não falava sobre o que
acontecia no trabalho – nem sobre os detalhes do nosso cotidiano profissional,
tampouco sobre os momentos difíceis, as acusações falsas e o enlouquecedor
circo midiático, muito menos
sobre os momentos felizes em que
ajudávamos crianças e mexíamos com música.
Viver no mundo de Michael era uma oportunidade
rara e especial, é claro, e foi por isso que continuei
ali. Mas, sem que eu percebesse, sua discrição me afetava. Desde muito jovem,
eu me treinei para não falar livre mente. Não me abria com ninguém e reprimia a
maior parte de minhas reações e meus sentimentos. Nunca fui
cem por cento espontâneo ou desimpedido. Isso não quer dizer que
eu mentisse – exceto, admito, quando estava trabalhando para Michael e
dizia a quem acabasse de conhecer que eu vendia Tupperware de porta em
porta e me orgulhava muito do plástico que produzíamos. Ou que minha
família era da Suíça e trabalhava no ramo de chocolates. Eu nunca mentia
para meus amigos mais próximos e familiares, mas, no que dizia
respeito a minhas experiências com Michael, escolhia cada palavra com cautela.
Michael era uma pessoa reservada e eu também. Não queria chamar atenção nem
que as pessoas me olhassem de forma diferente por conta da minha
relação com ele. E certamente não queria ser fonte de nenhum boato a seu
respeito. Já havia boatos de sobra. Falar sempre significa revelar algo.
Até hoje, tenho dificuldade para conversar abertamente: penso duas vezes antes de
abrir a boca.
Ao longo de nossa amizade, Michael
desempenhou vários papéis. Ele foi um segundo pai, um mestre, um
irmão, um amigo, um filho. Quando reflito sobre mim mesmo, vejo como
minhas experiências com Michael determinaram quem eu sou, para o bem
ou para o mal. Ele foi o melhor professor do mundo – para mim
pessoalmente e para muitos de seus fãs. No início, fui uma verdadeira esponja.
Concordava com todas as suas opiniões e crenças. Foi com ele que aprendi os valores da tolerância, da lealdade e da honestidade.
À medida que eu ficava mais velho e
nossa amizade amadurecia, comecei a ver com mais clareza que ele não era
perfeito. Tornei-me então uma espécie de protetor, ajudando-o em
seus momentos mais difíceis. Estava ao seu lado quando ele precisava de um
amigo – para conversar, debater e aprimorar ideias, ou simplesmente
passar o tempo. Michael sabia que
podia confiar em mim. Quando Michael e eu tirávamos uma
folga no rancho Neverland – sua
propriedade de 1.100 hectares nos
arredores de Santa Barbara, uma mistura de casa, parque de diversões,
zoológico e retiro –, gostávamos de ficar à toa e relaxar. Às vezes ele sugeria que
alugássemos alguns filmes e ficássemos em casa “até feder” (Michael tinha um
gosto peculiar por piadas infantis sobre mau cheiro). Num desses dias,
quando o sol estava prestes a se pôr, Michael disse: “Venha, Frank. Vamos
subir a montanha.” Neverland ficava
no vale Santa Ynez, cercado de
montanhas. Ele batizou a mais alta delas de Mount Katherine, em homenagem à sua
mãe. A propriedade tinha várias trilhas que conduziam aos picos, onde
o pôr do sol era extraordinário. Subimos uma delas num carrinho de
golfe, nos sentamos e observamos o sol desaparecer atrás das montanhas,
cobrindo-as de sombras púrpura. Foi então que finalmente entendi os
versos “purple mountain majesties”1 da canção “America the Beautiful”.
Às vezes helicópteros sobrevoavam a
propriedade, a fim de tirar fotos. Em algumas ocasiões, chegaram a nos
ver no topo das montanhas, mas corríamos deles, tentando nos esconder
entre as árvores. Dessa vez, no entanto, a paz era total. Michael
estava pensativo e começou a falar sobre os boatos e as acusações que o
atormentavam. Ele achava tudo aquilo ao mesmo tempo engraçado e triste. A
princípio, disse que não devia satisfações a ninguém. Mas então seu tom mudou.
“Se as pessoas soubessem quem eu sou
de verdade, elas entenderiam”, ele declarou, sua voz marcada por uma
mistura de esperança e frustração. Ficamos sentados em silêncio por um
tempo, desejando que houvesse uma maneira de ele se revelar, de
fazer as pessoas entenderem quem ele era e como vivia.
Penso muitas vezes naquela noite
quando reflito sobre as origens dos problemas de Michael. As pessoas temem
o que não entendem ou se sentem intimidadas por isso. A maioria de nós
vive em família. Fazemos o que nossos pais ou outros modelos com
quem convivemos fizeram antes de nós. Seguimos um caminho simples,
confortável e fácil de definir. Não é tarefa complicada encontrar outras
pessoas que levam uma vida parecida com a que escolhemos para nós mesmos.
Para Michael, não foi assim. Desde o início – ao lado da família e,
mais tarde, sozinho – ele trilhou um caminho totalmente original. Por
mais inocente e infantil que fosse, ele também era um homem complexo. Os
outros tinham dificuldade em
compreendê-lo, pois nunca tinham visto
ninguém parecido na vida e, muito provavelmente, jamais tornariam
a ver.
A vida de Michael terminou de forma
repentina e inesperada. E, mesmo assim, ele continuou sendo
incompreendido. Michael Jackson, o superastro, o Rei do Pop, será lembrado por muito,
muito tempo. Sua obra per manece – uma prova de sua ligação profunda e poderosa com milhões de pessoas –, mas, de alguma forma, o
homem foi ofuscado pela lenda.
Este livro é sobre o homem Michael
Jackson. O mentor que me ensinou a fazer um “mapa mental”. O amigo que
amava os animais e dava doces para eles. O brincalhão que, certa
vez, se disfarçou como um padre preso a uma cadeira de rodas. O filantropo
que tentou ser tão nobre e generoso em sua vida privada quanto o era em
público. O ser humano. Quero que
as pessoas vejam Michael como eu o
via, que o entendam em toda a sua beleza ingênua, gentil, provocadora e
imperfeita que eu tanto amava.
Minha maior esperança é que, ao ler
este livro, você consiga pôr de lado todos os escândalos, boatos e
piadas cruéis que cercaram Michael durante os últimos anos de sua vida e
se permita conhecê-lo através dos meus olhos. Esta é a nossa história. A
história de como foi crescer com uma pessoa que tinha um dos rostos mais
conhecidos do mundo. A história de uma amizade comum com um homem
extraordinário. Uma amizade que
começou de forma simples;
transformou-se e evoluiu à medida que nós dois crescíamos e mudávamos; tentou se
manter firme quando as pessoas as circunstâncias se colocaram entre
nós; e, acima de tudo, persistiu. Michael era uma criatura rara. Ele
queria fazer do mundo um lugar magnífico. E eu quero dividi-lo com você.
FONTE: Texto retirado
do livro MEU AMIGO MICHAEL de Frank Cascio, versão brasileira.
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