Não se poderia esperar de Spike
Lee um documentário convencional de Bad, álbum famoso de Michael Jackson, que
está completando 25 anos de lançamento. E, de fato, não é. O que se pode dizer
é que se trata de um filme colossal, feito de muitas vozes e muito som, uma
fantástica recriação dos bastidores de um momento privilegiado do pop. Quem
poderia fazer tal filme? Apenas Spike Lee, cuja familiaridade com Jackson o
levou a filmar o clipe They Don’t Care About Us, no Brasil. Lee esteve em
Veneza para o lançamento do filme e conversou com os jornalistas.
Explicou a proposta, que surge
com muita clareza na superfície do filme. “A Sony havia proposto algo sobre a
música de Michael Jackson, mas eu resolvi fazer algo mais, descobrir o homem,
em seus aspectos que a maioria das pessoas desconhece. Desse modo, coloquei o
foco mais no processo criativo, aspecto negligenciado quando se fala dele”.
Portanto, três anos depois da
morte do rei do pop, Lee tira do bolso um documentário que parece um backstage
privilegiado da produção de um álbum, mas também se espraia pela trajetória de
Jackson e das ilustres pessoas que o cercaram. O doc é múltiplo, ouve muita
gente importante e é montado de maneira muito esperta, recriando uma vida
artística diante de nós, na tela. Spike Lee usou de toda a sua influência para
rodar o filme. Quem, senão ele, teria acesso a tais personanagens, como Martin
Scorsese, Quincy Jones, Mariah Carey, Cee-Lo e tutti quanti. Difícil imaginar.
Há informação. Ficamos sabendo,
por exemplo, que Jackson realizou cerca de 60 músicas para escolher as 11 do
álbum. Nove são de sua autoria. Várias inéditas sairão no álbum comemorativo
dos 25 anos de Bad. Fala-se muito do trabalho exaustivo e obsessivo de Jackson
para que tudo soasse espontâneo, como se tivesse lhe vindo fácil. Músicas,
empostamento da voz, passos de dança. Tudo era cuidadosamente calculado,
ensaiado à exaustão, discutido com músicos e bailarinos (sempre os melhores
encontráveis no mercado) para, por fim, serem colocados no álbum. Jackson tinha
também o cuidado para que as músicas escolhidas fossem apropriadas para suas
apresentações públicas. Há temas que funcionam no estúdio e não fora dele.
Jackson gravava como se já estivesse se apresentando diante de 80 mil pessoas
num estádio de futebol. Há cenas impressionantes de seu show no Estádio de
Wembley, na Inglaterra, em 1988.
“Michael bebia de todas as fontes
possíveis”, diz Lee. E sempre andava atrás de água boa. “Marvin Gaye, Fred
Astaire, Steve Wonder, Gene Kelly – ele ouvia e via todos eles e os incorporava
em seus trabalhos”, diz. Spike Lee sabe que basear-se nos bons autores não é de
forma alguma plágio, mas base para sustentar os vôos próprios do artista. Era o
que Michael fazia. Trechos de filmes e músicas aparecem no documentário para
comprovar essa filiação. “Além do canto havia também a dança e ficamos sabendo
que Jackson via atentamente todos os musicais de Vincente Minelli, por
exemplo”, diz.
Toda essa rede de influências
está lá no filme, tanto nos depoimentos quanto nas imagens que acompanham a
fala das pessoas. Por exemplo, vemos Martin Scorsese recordando o clipe que
rodou para o álbum Thriller, até hoje o mais vendido. “Aliás, quando conversei
com Jackson, não se referia jamais a esses trabalhos como clipes ou vídeos.
chamava-os de curtas-metragens, pois achava que eram obras de respeitabilidade
artística.”
Portanto, além da informação, há
também a tentativa de reconstrução de uma carreira sólida, com ancoragem no
soul, e no que de melhor havia na música americana da década. Jackson firmou
seu estilo, com a voz adolescente característica, embora tivesse extensão vocal
privilegiada de três oitavas, indo até o barítono. Era uma espécie de Peter Pan
e sua voz exprimia esse desejo de não crescer – compartilhado por muita gente,
o que é uma das chaves do sucesso. De qualquer forma, a impressão causada por
Jackson sobre as pessoas que com ele conviveram e trabalharam é muito forte, o
que se nota nos depoimentos sobre sua morte precoce.
A própria relação de Spike Lee
com seu personagem é feita de afeto. “Cresci com ele, no tempo dos Jackson
Five. Usava cabelo afro como ele, só que, ai de mim, não podia nem cantar e nem
dançar do mesmo jeito, nem de longe”, lembra Lee. “Espero que as pessoas notem
que Bad 25 é uma carta de amor a Michael Jackson”.
A imagem do artista sai
supervalorizada desse filme, que evita os preconceitos e julgamentos
caricaturais sobre o ídolo. Provavelmente, os fãs vão adorar. E mesmo os que
não curtem tanto a obra de Michael Jackson sairão com uma visão enriquecida do
artista. Desmistificar preconceitos, expandir a sensibilidade e visão de mundo
do espectador é uma das maiores funções de um documentário. Bad 25 é, desde já,
um dos grandes filmes já feitos sobre um ídolo e sua obra.
Por: Luiz Zanin
FONTE: Todos os direitos do texto reservados ao blog
ESTADÃO.
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